As Grandes Perguntas: estamos sozinhos no universo?

Em 1977, o New York Times publicou um artigo intitulado “Seeking an End to Cosmic Loneliness“ (Buscando o fim da solidão cósmica, na tradução para o português), descrevendo as tentativas dos físicos de captarem mensagens de rádio de alienígenas. A iniciativa, conhecida como Search for Extraterrestrial Intelligence (SETI), ainda estava em seus estágios iniciais e seus proponentes estavam lutando para convencer seus colegas e o Congresso de que valia a pena financiar a ideia.

A busca para determinar se alguém ou alguma coisa está lá fora ganhou maior base científica neste quase meio século desde a publicação daquele artigo. Naquela época, os astrônomos ainda não haviam encontrado um único planeta fora do nosso sistema solar. Agora sabemos que a galáxia está repleta de uma diversidade de mundos. Os oceanos do nosso planeta já foram considerados excepcionais, enquanto as evidências atuais sugerem que várias luas do sistema solar externo abrigam águas subterrâneas.  

Nossa noção da variedade de ambientes onde a vida poderia existir também se expandiu graças à descoberta de organismos extremófilos na Terra que podem se desenvolver em locais muito mais quentes, salgados, ácidos e radioativos do que se pensava ser possível, incluindo criaturas que vivem em torno de fontes hidrotermais submarinas.

Agora estamos mais perto do que nunca de saber o quão comuns são os mundos vivos como o nosso. Novas ferramentas, incluindo o machine learning e a Inteligência Artificial, podem ajudar os cientistas a superarem suas noções preconcebidas sobre o que constitui a vida. Instrumentos futuros farejarão as atmosferas de planetas distantes e examinarão amostras de nosso sistema solar local para ver se elas contêm substâncias químicas reveladoras nas proporções certas para que os organismos prosperem.  

“Acho que em nosso tempo de vida seremos capazes de fazer isso”, diz Ravi Kopparapu, cientista planetário do Goddard Space Flight Center da NASA, em Maryland. “Poderemos saber se há vida em outros planetas.” 

Embora os seres humanos tenham um longo histórico de especulações sobre mundos distantes, durante grande parte desse tempo as evidências reais eram escassas. Os primeiros planetas ao redor de outras estrelas — conhecidos como exoplanetas — foram descobertos no início da década de 1990, mas foi preciso esperar até o lançamento do telescópio espacial Kepler da NASA, em 2009, para que os astrônomos entendessem como eles eram comuns. O Kepler monitorou cuidadosamente centenas de milhares de estrelas, procurando por pequenas quedas em seu brilho que poderiam indicar a passagem de planetas na frente delas. A missão ajudou a aumentar o número de exoplanetas conhecidos de um mero punhado para mais de 5.500. 

O Kepler foi construído para ajudar a determinar a prevalência de planetas semelhantes à Terra orbitando estrelas semelhantes ao Sol na distância certa para ter água líquida em sua superfície (uma região frequentemente apelidada de zona Cachinhos Dourados). Embora nenhum mundo extraterrestre tenha sido um gêmeo perfeito do nosso até o momento, os pesquisadores podem usar a grande quantidade de descobertas para fazer suposições fundamentadas sobre quantos podem estar por aí. As melhores estimativas atuais sugerem que entre 10% e 50% das estrelas semelhantes ao Sol têm planetas como o nosso, levando a números que fazem a cabeça dos astrônomos. 

“Se for 50%, isso é loucura, certo?”, diz Jessie Christiansen, astrofísica da Caltech em Pasadena, Califórnia. “Há bilhões de estrelas semelhantes ao sol na galáxia e, se metade delas tiver planetas semelhantes à Terra, pode haver bilhões de planetas rochosos habitáveis.” 

Tem alguém em casa?

Determinar se esses planetas realmente contêm organismos não é uma tarefa fácil. Os pesquisadores precisam capturar a luz fraca de um exoplaneta e dividi-la em seus comprimentos de onda constituintes, procurando assinaturas que indiquem a presença e a quantidade de diferentes tipos de produtos químicos. Embora os astrônomos queiram se concentrar em estrelas semelhantes ao Sol, isso é tecnicamente desafiador. O novo e poderoso Telescópio Espacial James Webb (JWST) da NASA está atualmente treinando seu espelho de 6,5 metros e instrumentos infravermelhos incomparáveis em mundos ao redor de estrelas menores, mais frias e mais vermelhas do que o nosso sol, conhecidas como anãs M. Esses lugares podem ser habitáveis, mas, até o momento, ninguém tem certeza. 

Para que haja água líquida em suas superfícies, os planetas em torno das anãs M precisariam orbitar perto de suas estrelas – que tendem a ser mais ativas do que o Sol, emitindo violentas explosões que poderiam remover os gases atmosféricos e provavelmente deixar o solo como uma casca seca. O JWST está investigando a Trappist-1, uma anã M a 40 anos-luz de distância, com sete pequenos mundos rochosos, quatro dos quais estão à distância certa para potencialmente ter água líquida. Já foi demonstrado que os dois exoplanetas mais próximos são desprovidos de atmosfera, mas os cientistas estão aguardando ansiosamente os resultados das observações do JWST dos próximos três. Eles querem saber se mesmo aqueles que estão fora da zona habitável podem ter atmosferas. 

Há um interesse especial em procurar outros planetas em torno de estrelas anãs M, porque elas são muito mais comuns do que as estrelas do tamanho do Sol. “Se eles descobrirem que eles têm atmosferas, isso aumentará em cem vezes o patrimônio habitável da galáxia”, diz Christiansen.

Quando encontrarmos um planeta que se pareça muito com a Terra, vamos querer começar a procurar indícios químicos de vida em sua superfície. O JWST não é sensível o suficiente para fazer isso, mas os futuros instrumentos terrestres, como o Extremely Large Telescope, o Giant Magellan Telescope e o Thirty Meter Telescope — que devem começar a coletar dados na década de 2030 – poderão descobrir os componentes químicos de mundos próximos semelhantes à Terra. As informações de alvos mais distantes terão de esperar pela próxima missão principal planejada pela NASA, o Habitable Worlds Observatory (Observatório de Mundos Habitáveis), com base no espaço, cujo lançamento está previsto para o final da década de 2030 ou início da década de 2040. O telescópio usará uma sombra estelar externa ou um instrumento chamado coronagraph para bloquear a luz brilhante de uma estrela e focalizar a luz planetária mais fraca e suas possíveis impressões moleculares. 

Quais substâncias químicas em particular os astrônomos devem procurar ainda é motivo de debate. Idealmente, eles querem encontrar o que é conhecido como bioassinaturas — moléculas como água, metano e dióxido de carbono presentes em quantidades semelhantes às que encontramos na Terra. O que isso significa na prática nem sempre é claro, já que nosso planeta passou por muitos períodos em que continha vida, mas as quantidades de diferentes substâncias químicas variavam muito. 

“Você quer que ele detecte uma Terra Arcaica, como 2 ou 3 bilhões de anos atrás?”, pergunta Kopparapu. “Ou do Neoproterozoico, onde havia uma Terra bola de neve? Ou você quer detectar a Terra atual, onde há muito oxigênio livre, ozônio, água e CO2?” 

Recentemente, houve muita empolgação quando o JWST detectou sulfeto de dimetila, uma molécula que em nosso mundo é produzida apenas por seres vivos, em um exoplaneta com quase nove vezes o tamanho da Terra, localizado a 120 anos-luz de distância. Os resultados, que ainda precisam ser confirmados, destacam a complexidade de tais métodos. Se o sulfeto de dimetila estiver realmente presente na atmosfera do planeta, então a luz das estrelas também deve quebrá-lo para formar etano, uma molécula que ainda não foi vista. “Nenhum gás isolado é uma bioassinatura”, diz Kopparapu. “É preciso ver uma combinação deles.” No ano passado, ele e outros membros da comunidade publicaram um relatórioenfatizando que qualquer descoberta específica deve ser colocada no contexto de seu ambiente estelar e planetário, pois pode haver muitos resultados que aparentemente apontam para a vida, mas que têm explicações alternativas. 

O que conta como vida? 

Esse problema – como diferenciar definitivamente entre vida e não-vida – é perene, quer se trate de planetas distantes ou mesmo de fenômenos aqui na Terra. Em breve, os pesquisadores poderão receber a ajuda de técnicas algorítmicas que podem revelar associações complexas demais para serem compreendidas pelo cérebro humano. Em experimentos recentes, Robert Hazen e seus colegas pegaram 134 amostras vivas e não vivas (incluindo petróleo, meteoritos ricos em carbono, fósseis antigos e uma vespa que voou para o laboratório), vaporizaram e espalharam seus constituintes químicos. Cerca de 500.000 atributos diferentes foram identificados na composição molecular de cada amostra e executados por meio de um programa de machine learning.  

“Quando analisamos esses 500.000 atributos, há padrões que são exclusivos dos seres vivos e padrões exclusivos dos seres não vivos”, diz Hazen, mineralogista e astrobiólogo da Carnegie Institution for Science. 

Depois que o software foi treinado em 70% dos espécimes, a técnica foi capaz de reconhecer com 90% de precisão quais das amostras restantes tinham origem biológica. O dispositivo usado para espalhar os componentes químicos das amostras tem cerca de sete polegadas de comprimento, pequeno o suficiente para ser enviado em missões a mundos oceânicos próximos, como a Europa, em Júpiter, ou Enceladus, em Saturno. O rover Perseverance, da NASA, levou um instrumento semelhante a Marte, de modo que Hazen acredita que o algoritmo de machine learning de sua equipe poderia ser adaptado para examinar seus dados e procurar organismos passados ou presentes lá. E como ele se baseia em relações moleculares em vez de detectar substâncias químicas orgânicas específicas, como DNA ou aminoácidos, que podem não ser usadas em outras biosferas, o método poderia permitir que os cientistas procurassem vida totalmente diferente da que temos na Terra. 

Esses aplicativos de machine learning também estão começando a ser usados no SETI, que, nos últimos anos, tem se voltado para a busca de um conjunto mais amplo de evidências visíveis de espécies extraterrestres. A maioria dos profissionais da área está atenta a essas tecnoassinaturas, definidas como “alguma assinatura de tecnologia detectável remotamente que possamos caracterizar com instrumentação astronômica”, diz Sofia Sheikh, do SETI Institute. Isso poderia ser um sinal de rádio, mas outras evidências poderiam incluir coisas como pulsos de laser óptico, projetos gigantes de engenharia baseados no espaço, poluição atmosférica ou até mesmo sondas artificiais que chegam ao nosso sistema solar. 

No Zwicky Transient Facility, perto de San Diego, na Califórnia, que vasculha continuamente todo o céu noturno em busca de breves flashes de luz provenientes de fontes desconhecidas, os engenheiros estão ensinando a Inteligência Artificial a identificar características que não seriam esperadas de fenômenos naturais. “É nesse ponto que podemos começar a fazer perguntas”, diz Ashish Mahabal, astrônomo e cientista de dados da Caltech. As respostas a essas perguntas podem ajudar a revelar novos eventos astronômicos ou, quem sabe, uma estrela cercada por enormes painéis solares que alimentam uma sociedade alienígena que consome muita energia.  

Os pesquisadores do SETI esperam que, ao usar essas ferramentas, possam ajudar a superar alguns de seus preconceitos antropocêntricos. A maioria reconhece que nossas expectativas em relação a seres de outro mundo são limitadas por nossa própria experiência. Por exemplo, a busca por sinais de painéis solares alienígenas maciços é frequentemente “baseada na suposição de que sempre haverá uma necessidade exponencial de energia”, diz Sheikh. 

Devido a todos os caminhos que estão sendo explorados atualmente, muitos cientistas acreditam que as respostas às nossas perguntas sobre a vida extraterrestre não estão muito distantes. No entanto, em última análise, a questão de nossa solidão cósmica é filosófica.  

Durante a maior parte da história da humanidade, não acreditávamos que estávamos sozinhos. Enchemos os céus de deuses, monstros e criaturas míticas. Foi somente na era moderna que nossa espécie começou a se preocupar com seu lugar no universo. Mas, independentemente de qualquer outra parte do universo abrigar ou não vida, o cosmos é o nosso lar. Podemos escolher ser solitários ou abraçar a beleza e a maravilha ao nosso redor. 



( fonte:  MIT Technology Review )