A corrida dos carros elétricos: por que a Apple aposta neste mercado

Mesmo com uma posição confortável no mercado a companhia fundada por Steve Jobs sabe que precisa buscar novos modelos de negócios para diversificar a fonte de receita em longo prazo.

A Apple alcançou recentemente o valor de mercado de US$3 trilhões. Para efeito de comparação, este número é maior do que a economia do Brasil. Então, por que a gigante do setor de tecnologia quer correr o risco de perder dinheiro ao tentar entrar no mercado de carros elétricos, a partir de 2024, para competir com empresas que já produzem e vendem esses veículos?

Enquanto Facebook e Microsoft investem pesadamente no Metaverso, que consiste em um mundo totalmente virtual no qual as pessoas interagem entre si por meio de uma tecnologia imersiva, como os óculos de Realidade Virtual (quem se lembra de Matrix?), a Apple direciona sua atenção para os veículos elétricos para competir com Tesla, BMW, Ford e outras montadoras.

Afinal, vale colocar as fichas em um mercado mais badalado, no qual muitas marcas já têm presença – no caso, Tinder, Nike, Disney, Ralph Lauren, Itaú e outras já estão no Metaverso – ou tentar criar disrupção em um setor que você não tem expertise ou estrutura, como o de automóveis? Pois bem. A Apple opta pela segunda alternativa e se dedica, em bem menor proporção, à primeira com o desenvolvimento do software realityOS, utilizado em combinação de óculos de VR e iPhone.

Mesmo com uma posição confortável no mercado global e premium de smartphones, devices, computadores, relógios e TVs inteligentes, investidores e C-levels da companhia fundada por Steve Jobs sabem que precisam buscar novos modelos de negócios rentáveis e inovadores para diversificar a fonte de receita em longo prazo.

A Apple pretende “matar a própria empresa”

Não significa que não teremos mais iPhones e MacBooks. O termo simboliza uma mudança de chave necessária para gerar inovação organizacional. Este conceito é extraído do livro “Inovação Radical”, do autor e amigo Pedro Waengertner.

O produto carro-chefe da Apple em 1976 foi um computador pessoal, que seguiu em evolução com Macintosh e outros modelos até os dias de hoje. Apesar de ainda ser parte significativa do faturamento, há investimentos em streaming de conteúdos, músicas, nuvem, meios de pagamento e outros.

Quem se lembra do iPod, que reunia milhares de fotos, vídeos e músicas em um pequeno aparelho que revolucionou o mercado fonográfico? Se Steve Jobs achasse que este produto seria o suficiente para liderar o mercado por décadas, provavelmente teria perdido a corrida. Em vez disso, continuou inovando com o lançamento do Iphone que colocou de vez a marca em um “oceano azul”, definido pelos autores W. Chan Kim Renée Mauborgne como um espaço inexplorado, que gera alta demanda e crescimento bastante lucrativo.

Por outro lado, no setor de streamings começa a surgir uma guerra por preços. Se há alguns anos a Netflix nadava sozinha e de braçadas em um oceano azul, recentemente surgiram novos entrantes e competidores, como Disney, Amazon Prime, HBO e a própria Apple, tornando o oceano vermelho.

De acordo com estudo da Boston Consulting Group, a Apple foi a empresa mais inovadora em 2021, seguida pela Alphabet. Não à toa. Grande parte da receita do Google é proveniente de anúncios patrocinados em resultados de buscas desde os anos 90. Entretanto, é compreendido internamente que não pode ficar refém exclusivamente do “Google Search”, seu principal gerador de receita. Além de aquisições de YouTube e Waze, o laboratório de inovação, GoogleX, investe centenas de milhões de dólares em projetos futuristas e disruptivos, como carros autônomos que se locomovem sem motoristas, óculos inteligentes, combustível feito de água do mar, foguete espacial e internet via balões estratosféricos.

Por que acreditar no topo do pódio

Após identificados os reais motivos de tentar abocanhar um pedaço considerável de um mercado pouco explorado ainda e com retorno colossal em longo prazo (são mais de 1.4 bilhão de veículos no mundo), quais são os fatores que podem ser determinantes e contribuir para a Apple chegar à liderança da corrida?

Primeiro, a marca é mundialmente reconhecida pela excelência em experiência aos seus clientes e pela inovação. Apenas isso já possibilita entrada em um mercado premium — o publico-alvo, os aficionados pela marca, procura pela diferenciação e pelo status, além de possuir alto poder aquisitivo.

A segunda vantagem competitiva é todo o ecossistema de dados consolidados. Não se trata apenas de um carro elétrico, mas, sobretudo, de uma máquina de última geração totalmente conectada. Se boa parte das informações de nossas vidas está em nossos celulares, computadores e na nuvem, poderemos conectar facilmente todos os nossos dispositivos e aplicativos ao veículo, incluindo informações pessoais e corporativas armazenadas em iPhone, iCloud, iPad e Siri.

O posicionamento do produto (e da solução) é “veículo conectado e mais seguro do mundo”. Para materializar esta ambição, um chip especial e avançado tem sido desenvolvido na Califórnia, o que permitirá proteções mais seguras aos motoristas e passageiros do que as existentes nas concorrentes.

Parcerias se tornam fundamentais

A Apple pode dominar o mercado premium de smartphones e tablets, mas certamente o core business da empresa não é o de carros elétricos. Então, como competir com a Tesla e montadoras, como Ford, Toyota, GM, Honda, Fiat, que têm investido pesadamente em Pesquisa & Desenvolvimento para aprender e competir nesta nova arena?

Com a necessidade de uma infraestrutura de fábricas, logística e distribuição de peças e baterias para produzir veículos elétricos em larga escala, a empresa busca parceiros para fabricação. Um relatório recente da DigiTimes Ásia aponta que Foxconn e Luxshare, dois principais fabricantes asiáticos de devices da Apple, como Airpods, são candidatos a produzir o Apple Car. Ambos pretendem entrar no mercado de veículos elétricos, com capacidade de fabricação a partir 2023.

A parceria entre as empresas pode se concretizar se a Apple enxergar que a Luxshare, por exemplo, é uma alavanca para entrar no mercado de EVs (electric vehicles) na China, o maior do mundo. Outro caminho concomitante é se unir a fabricantes de automóveis reconhecidos, como Hyundai.

Quando se trata de inovação e novos modelos disruptivos, nem mesmo as empresas colossais de tecnologia podem liderar sozinhas. O ecossistema digital se torna cada vez mais essencial neste ambiente, com múltiplas parcerias com negócios de diferentes setores e conhecimentos. A Tesla, por exemplo, fez parceria com a Panasonic para conseguir produzir baterias de lítio em grande escala mundial.

No futuro, daqui a uma década, recarregar um carro na tomada ainda será um diferencial ou o fato de você conseguir conectar todos os seus dados pessoais e de trabalho no veículo? Suas preferências de trajetos pelo GPS, suas séries salvas no Netflix, documentos profissionais, mensagerias, corridas do Uber, redes sociais.

Este artigo foi produzido por Adriano Ueda, Digital Commerce & CX na BASF Agricultural Solutions, Professor de MBA na FGV, Co-fundador na Supernova (EdTech) e colunista da MIT Technology Review Brasil.