Novas aeronaves, como eVTOLs, podem abrir novas possibilidades para voos, mas barreiras técnicas e regulatórias podem fazer com que opções convencionais cheguem aos céus primeiro.
by MIT Technology Review
O futuro do voo virá em etapas, pelo menos para uma startup que desenvolve aeronave elétrica.
A Beta Technologies adiou a estreia de sua aeronave elétrica futurística que pode decolar e pousar como um helicóptero. Em vez disso, anunciou neste mês seus planos para aprovar uma versão mais convencional de seu avião elétrico até 2025.
A Beta faz parte de um número crescente de empresas que trabalham para construir pequenas aeronaves elétricas que podem transportar vários passageiros ou pequenas cargas por curtas distâncias. Muitas dessas aeronaves são categorizadas como uma classe de veículos chamados eVTOLs (decolagem e aterrissagem vertical elétrica), projetados para decolar e pousar sem a necessidade de pistas convencionais.
“Estamos tentando criar um futuro de aviação sustentável, e esse é um objetivo ambicioso e desafiador”, diz Kyle Clark, fundador e CEO da Beta. A empresa concentrou-se principalmente na entrega de cargas, investindo mais de US$ 800 milhões em financiamento e fechando pedidos para suas aeronaves eVTOL para empresas como UPS, Blade e Air New Zealand.
A aviação representa hoje cerca de 3% das emissões globais de gases de efeito estufa, e a contribuição da indústria para a mudança climática está crescendo. Assim, aeronaves elétricas poderiam ajudar a reduzir as emissões. No entanto, ainda existem obstáculos técnicos e regulatórios para o setor, o que é uma das razões pelas quais a Beta está partindo do desenvolvimento de aeronaves que se comportam menos como táxis aéreos e mais como… bem, aviões.
A Beta não está descartando seus planos para um eVTOL, mas planeja primeiro aprovar um avião mais convencional chamado CX300, que precisará decolar e pousar em uma pista. A empresa já realizou voos teste com esse tipo de aeronave que totalizam mais de 35.405 quilômetros, tanto perto de sua base em Vermont (EUA) quanto em passeios pelo país: percorreu o Arkansas (uma viagem de cerca 2.200 quilômetros) e Kentucky (1.200 quilômetros) em ocasiões separadas. Essas viagens mais longas exigem paradas ao longo do caminho para recarregar a bateria do avião, mas a aeronave da Beta voou até 621 quilômetros com uma única carga.
O objetivo da Beta é buscar viabilizar o voo elétrico “de maneira intensamente pragmática e sem exigir que três ou quatro milagres aconteçam simultaneamente”, diz Clark, referindo-se aos desafios técnicos enfrentados pelas novas aeronaves elétricas e às barreiras regulatórias à frente para o setor.
Várias das maiores startups eVTOL anunciaram planos para entrar em serviço comercial em 2025. Esses planos dependem da aprovação da Administração Federal de Aviação (FAA, pela sigla em inglês), o órgão regulador da aviação civil nos EUA. “A segurança ditará o cronograma de certificação dessas tecnologias, mas poderemos ver essas aeronaves nos céus em 2024 ou 2025”, disse a FAA em um comunicado por e-mail.
As novas aeronaves eVTOL estarão sujeitas a uma estrutura de certificação (uma aprovação regulatória da FAA) diferente das aeronaves convencionais. Por causa desse processo especial, alguns especialistas do setor duvidam que a agência ou as empresas consigam cumprir os prazos anunciados.
A Beta planeja certificar sua aeronave eVTOL para serviço em 2026. Outros dizem que a agência pode levar até o final da década para emitir as aprovações. “Vai demorar mais em termos de certificação, provavelmente 2027 ou 2028”, diz Matthew Clarke, bolsista de pós-doutorado em aeronáutica e astronáutica no MIT. “As aeronaves elétricas convencionais decolarão primeiro”.
A substituição de combustíveis fósseis por baterias já representará uma grande mudança para a aviação, pois as aeronaves elétricas terão novos sistemas de propulsão e transportarão baterias a bordo.
Usar baterias para se locomover é uma tática comum para construir meios de transportes mais ecológicos. Em 2022, os carros elétricos atingiram cerca de 13% das vendas de carros novos. Ônibus, trens e navios podem ser alimentados por baterias, pelo menos em alguns cenários.
Mas a aviação terá mais dificuldade em seguir o mesmo caminho, principalmente porque as baterias são pesadas. Cada grama é importante para veículos que precisam cruzar milhares de metros acima do solo, e aviões maiores que viajam distâncias maiores precisariam de baterias maiores e mais pesadas, e é por isso que a maioria das iniciativas da área de aviação elétrica até agora se concentraram em aeronaves menores.
Os aviões elétricos convencionais da Beta também serão pequenos, e o foco da empresa está em viagens curtas de passageiros e entrega de carga. Outras empresas, incluindo a Harbor Air e a Eviation, estão adotando uma abordagem semelhante, concentrando-se na construção de alternativas elétricas convencionais para pequenos aviões.
Aviões menores representam uma pequena porção do tráfego hoje: para viagens de passageiros, aeronaves suburbanas (cerca de 19 assentos ou menos) representam cerca de 4% de todas as partidas e cerca de 0,03% da receita-passageiros-quilômetros (RPK, pela sigla em inglês) uma métrica para medir a quantidade total de receita, passageiros e distância percorrida em quilômetros. Portanto, as baterias teriam uma influência maior na aviação se aeronaves menores começassem a desempenhar um papel maior. Este é o sonho eterno dos eVTOLs.
Além dos possíveis benefícios climáticos em relação aos aviões movidos a combustíveis fósseis, os eVTOLs podem expandir as opções de voo, diz Clarke. Como não precisam de pista, os veículos podem ser usados para entrega de carga na última milha (etapa final do processo de entrega de um produto), viagens em espaços urbanos densamente povoadas, ou aplicações militares. Essa flexibilidade faz parte do apelo dessas aeronaves, direcionando bilhões de dólares em financiamento total para startups eVTOL como Joby, Archer e Lilium.
Há muitas perguntas para os eVTOLs, desde onde eles pousarão e quanto barulho farão até como eles se comparam em termos de impacto climático com as opções de transporte terrestre.
Aeronaves elétricas de aparência convencional podem ser um substituto enquanto a indústria descobre as respostas para essas perguntas. Mas, independentemente de como voem, os aviões movidos sem combustíveis fósseis serão uma peça do quebra-cabeça climático. “Se não fizermos nada a respeito, a aviação será o principal produtor de emissões de carbono no transporte até 2035”, diz Clark. “E não vamos deixar isso acontecer, não enquanto estivermos aqui”.