Metaverso: uma nova palavra para uma ideia antiga

Para entender o que estamos (e deveríamos estar) construindo, precisamos olhar para além do metaverso retratado em Snow Crash.

by MIT Technology Review

Passei boa parte da minha carreira, tanto no Vale do Silício (EUA) quanto em outros lugares, insistindo que todas as nossas tecnologias têm histórias e até pré-histórias; e que, longe de serem claras e ordenadas, essas histórias são de fato confusas, controversas e complicadas, além de apresentarem narradores e significados conflitantes.

O metaverso, que passou de um termo usado apenas em um nicho específico para um nome popular em menos de um ano, é um excelente exemplo. Sua metamorfose começou em julho de 2021, quando o Facebook anunciou que dedicaria a próxima década para dar vida ao metaverso. Na apresentação do conceito feita pela empresa, o metaverso era uma maravilha: um mundo digital imersivo e rico combinando aspectos de rede social, jogos online e realidade aumentada e virtual. “A definição de qualidade do metaverso estará atrelado a uma sensação de presença, como se você pudesse sentir que está ali com outra pessoa ou em outro lugar”, escreveu o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, imaginando a criação de um mundo que “alcançasse um bilhão de pessoas, hospedaria centenas de bilhões de dólares de comércio digital e disponibilizasse empregos de suporte para milhões de produtores e desenvolvedores”. Em dezembro de 2021, uma série de outras grandes empresas de tecnologia americanas, incluindo Microsoft, Intel e Qualcomm, publicaram seus próprios planos de metaverso. E quando a Consumer Electronics Show chegou em janeiro, todos pareciam ter uma espécie de fragmento de metaverso, não importa quão improvável ou banal: coletes hápticos, incluindo um com sistema de ar-condicionado interno para simular seu próprio clima localizado; transformações de beleza para seu avatar; vans de entrega virtual para sua casa virtual.

Tem havido muita discussão sobre o envolvimento da Meta (antigo Facebook) e sua atual complicada posição como uma plataforma de rede social com considerável influência em nossas vidas diárias. Também houve debates mais amplos sobre a forma que o metaverso poderia ou deveria assumir as experiências do usuário, modelos de negócios, acesso e regulamentação em termos de recursos técnicos, e, mais silenciosamente, a que propósito serviria e quais necessidades atenderia.

“Há uma sedução fácil nas histórias que divulgam uma tecnologia como se ela fosse totalmente nova”.

Essas são boas discussões. Mas seríamos negligentes se não déssemos um passo atrás para nos perguntar, não o que é o metaverso ou quem será o responsável pela sua criação, mas de onde ele vem, tanto no sentido literal quanto nas ideias que ele incorpora. Quem inventou isso, se foi mesmo inventado? E os mundos anteriores construídos, imaginados, aumentados ou virtuais? O que eles podem nos dizer sobre como pôr em vigor o metaverso agora, sobre seus perigos e possibilidades?

Há uma sedução fácil nas histórias que divulgam uma tecnologia como se ela fosse totalmente nova ou, pelo menos, não relacionada a histórias longas e complicadas. Visto assim, o futuro é um espaço de reinvenção e possibilidade, mais do que algo intimamente ligado ao nosso presente e ao nosso passado. Mas as histórias são mais do que apenas pano de fundo. São espinhas dorsais, plantas e mapas de territórios já percorridos. Conhecer a história de uma tecnologia, ou as ideias que ela representa, pode nos dar a chance de fazer perguntas melhores, revelar possíveis armadilhas e lições já aprendidas e abrir uma janela para dentro da vida de quem as aprendeu em primeiro lugar. O metaverso, que não é tão novo quanto parece, não é exceção.

Então, de onde vem o metaverso? Uma resposta comum, mais clara e bonita, é que vem do romance de ficção científica Snow Crash, de Neal Stephenson, de 1992, que descreve um mundo virtual gerado por computador possibilitado por software e uma rede mundial de fibra óptica. Na Los Angeles do século 21 do livro, o mundo é confuso, repleto de desigualdades sociais, sexismo, racismo, comunidades fechadas, vigilância, hipercapitalismo, megacorporações febris e policiamento corrupto. Obviamente, por extensão, o Metaverso do romance também é confuso. Também sofre com as desigualdades sociais e o hipercapitalismo. Nem todo mundo pode fazer parte dele. Aqueles que conseguem tem a qualidade de sua experiência determinada pelo seu equipamento e sua capacidade de pagar por velocidade de internet, eletricidade e poder de computação. Aqueles com recursos podem ter representações digitais elaboradamente personalizadas. Quem não consegue, deve se contentar com simples esboços: os pacotes “Brandy” e “Clint”. Talvez não nos surpreenda que muitos que leram o livro o tenham visto não apenas como uma história de ficção científica inovadora, mas como uma crítica ao estágio mais avançado do capitalismo e visões de uma utopia tecnológica.

Nas três décadas que se passaram desde que Snow Crash foi publicado, muitos dos pilares do mundo virtual de Stephenson, como redes sociais e inteligência artificial, se materializaram. E o metaverso, semelhante a outras ideias prenunciadas no folclore do cyberpunk, vem persistentemente se infiltrando em conversas maiores. Ele apareceu em filmes recentes, como o Jogador Nº 1 e Free Guy: Assumindo o Controle. E moldou grande parte do cenário digital em que nos encontramos agora. No entanto, acho que pode haver mais no metaverso do que apenas Snow Crash e sua reaparição atual.

Na verdade, as conversas de hoje em torno do metaverso me lembram muito as conversas que tivemos quase 20 anos atrás sobre o Second Life, que o Linden Lab de Philip Rosedale lançou em 2003. Rosedale é muito claro sobre as maneiras pelas quais ele se inspirou no Snow Crash. Ele também deixa claro, no entanto, que sua ida ao festival Burning Man no final dos anos 1990 moldou para sempre seu pensamento sobre mundos virtuais, seus habitantes e seu ethos. O Second Life deveria ser “um mundo online 3D criado e de propriedade de seus usuários”. Foi um enorme sucesso, dominou as manchetes e foi bastante popular entre as pessoas. Empresas e marcas lutaram para se estabelecer neste novo espaço; tivemos conferências e concertos no Second Life, e até mesmo igrejas. No início dos anos 2000, milhões de pessoas se reuniram na plataforma e criaram vidas lá. Antropólogos as estudaram*; legisladores e políticos as debateram. E as realidades de um mundo virtual totalmente desenvolvido colidiram rapidamente com entidades reguladoras e formuladores de políticas. Preocupações foram levantadas sobre moedas fiduciárias, lavagem de dinheiro e prostituição.

No entanto, acho que há histórias ainda mais antigas que poderiam completar nosso raciocínio. Antes do Second Life. Antes da realidade virtual e aumentada. Antes da web e da internet. Antes de telefones celulares e computadores pessoais. Antes da televisão, do rádio e do cinema. Antes de tudo isso, havia um enorme edifício de ferro e vidro no Hyde Park de Londres (Reino Unido). Era o verão de 1851 e o futuro estava sendo exposto.

Lâmpadas de arco e prensas hidráulicas (alimentadas por um motor a vapor oculto), telegramas elétricos, um protótipo de máquina de fax, pássaros mecânicos em árvores artificiais, um submarino, armas, as primeiras esculturas de dinossauros em tamanho real e realistas, borracha vulcanizada de Goodyear, daguerreótipos de Matthew Brady, até mesmo os primeiros banheiros públicos com descarga da Grã-Bretanha. Havia três andares de alcovas com bandeirinhas vermelhas e placas proclamando o país de origem de cada peça, espalhadas por 92.000 metros quadrados de vidro reluzente: o Crystal Palace (ou, Palácio de Cristal), como uma revista satírica o apelidou.

Era um mundo inteiro dedicado ao futuro: um mundo no qual quase qualquer um poderia ser imerso, educado, desafiado, inspirado, entusiasmado ou provocado.

A Grande Exposição, (em inglês Great Exhibition of the Works of Industry of all Nations), como o evento extraordinário era formalmente conhecido, foi uma ideia do príncipe Albert, o amado consorte da rainha Vitória. Ele exibiu mais de 100.000 peças de todo o mundo. A própria rainha compareceu ao local pelo menos 30 vezes. Em seu discurso inaugural, a rainha deixou claro seu plano: “É meu desejo promover entre as nações o cultivo de todas as artes que promovem a paz e que, por sua vez, contribuem para manter a paz no mundo”. A era do império pode já estar em declínio, mas a Grande Exposição foi sobre afirmação de poder e uma visão da Grã-Bretanha para o futuro. E que futuro moderno e industrializado seria, mesmo que fossem necessárias colônias em todo o mundo para que isso acontecesse.

Claro, Londres já era uma cidade cheia de exposições e exibições, lugares onde o maravilhoso e o estranho poderiam ser visitados. Charles Babbage gostava do Museu Mecânico de Merlin, com seus muitos autômatos. Outros preferiram os dioramas da Terra Santa e de Paris (França). A Grande Exposição foi diferente porque tinha abundância de peças e o poder do império por trás dela. Não foi apenas um espetáculo; era um mundo inteiro dedicado ao futuro: um mundo no qual quase qualquer um poderia ser imerso, educado, desafiado, inspirado, entusiasmado ou provocado. Não eram pequenos pedaços reunidos em um único lugar, mas uma declaração grande, imponente e inevitável.

Em sua época, a Grande Exposição teve muitos críticos. Alguns se preocupavam com os velhos olmos do Hyde Park que se encontravam contidos na enorme estrutura. Outros se preocupavam com a resistência à tração de todo aquele vidro. Na imprensa, houve meses de ridicularização, com um político descrevendo-a como “uma das maiores farsas, fraudes e absurdos já conhecidos”. No Parlamento, alguns questionaram os motivos do príncipe Albert, mencionando seu status de príncipe estrangeiro e sugerindo que a Grande Exposição era apenas um exercício de publicidade para encorajar e talvez mascarar o aumento da imigração na Grã-Bretanha. Outros ainda sugeriram que a Grande Exposição atrairia batedores de carteira, prostitutas e espiões, e pediram que 1.000 policiais extras estivessem de plantão.

Como era de se esperar, os terríveis avisos não passavam de exageros e, para um verão ensolarado, pessoas de toda a Grã-Bretanha, aproveitando a rede ferroviária em rápida expansão, se aglomeraram na enorme casa de vidro no parque. Os organizadores fixaram o preço do ingresso em um xelim, o que o tornou acessível às classes trabalhadoras britânicas. “Ver o mundo por um xelim” era uma frase comum naquele verão.

Um número surpreendente da comunidade literária e científica da época visitou o Palácio de Cristal, incluindo Charles Dickens, Charles Dodgson (que se tornaria Lewis Carroll), Charles Darwin, Karl Marx, Michael Faraday, Samuel Colt, Charlotte Brontë, Charles Babbage e George Eliot. Dickens odiava o Palácio: era apenas materialismo desenfreado demais, e seu biógrafo mais recente afirma que suas experiências lá moldaram todo o seu trabalho depois disso. Brontë, em contraste, escreveu: “Parece que apenas a magia poderia ter reunido essa grande quantidade riqueza de todos os confins da terra, como se apenas mãos sobrenaturais pudessem tê-la organizado dessa maneira, com tanto brilho e contraste de cores e maravilhoso poder de efeito”. Dodgson teve um momento desses quando entrou no Palácio de Cristal. Ele escreveu: “A impressão quando você entra é de perplexidade. Parece uma espécie de terra encantada”.

Mas, de repente, a Grande Exposição fechou suas portas em 15 de outubro de 1851. Ao longo de cinco meses e meio, estima-se que mais de 6 milhões de pessoas visitaram o Palácio de Cristal (na época, a população total da Grã-Bretanha era de apenas 24 milhões). Em sua curta vida no Hyde Park, a Grande Exposição também gerou um lucro notável de cerca de £ 186.437 (mais de US$ 35 milhões hoje). Parte disso foi para a compra de terras em South Kensington para criar o atual distrito de museus de Londres. Outra parte foi destinada a um fundo educacional que ainda hoje oferece bolsas para pesquisa científica. O Palácio de Cristal foi desmontado no inverno de 1851 e transportado para um novo local, onde continuaria a exibir todo tipo de maravilhas até que um incêndio catastrófico em 1936 o reduziu a um esqueleto de ferro fumegante. E se alguém quiser, ainda hoje pode visitar a Grande Exposição, por meio de uma visita virtual no site do Royal Parks (ou Parques Reais de Londres).

A Grande Exposição deu início a mais de um século de feiras mundiais: espaços de espetáculo e maravilhas que, por sua vez, moldariam o mundo ao seu redor. Nos Estados Unidos, essas iniciativas de criação de mundo incluíram a Exposição Universal de 1893, também conhecida como Feira Mundial de Chicago: uma cidade inteira de mais de 200 estruturas brancas e reluzentes construídas assim propositalmente, apresentando tecnologias tão variadas quanto uma cozinha totalmente elétrica com máquina de lavar louça, uma incubadora de ovos elétrica, um sismógrafo, o cinetoscópio de Thomas Edison, holofotes, telegrafia em código Morse, geradores de energia multifásicos, esteiras rolantes e a primeira roda gigante do mundo. Mais de um quarto dos americanos compareceria à Feira Mundial em menos de seis meses.

Se a Grande Exposição celebrou o poder do vapor, essa White City (ou, em português Cidade Branca), como era conhecida, tinha a ver com eletricidade. Era também uma paisagem marcada, apoiada e depois fortemente promovida agressivamente pela indústria americana, com nomes que logo se tornariam familiares como General Electric, Western Electric e Westinghouse apresentando suas tecnologias e suas visões para o futuro: democracia e capitalismo americano. Conversas complicadas sobre igualdade de gênero e raça, e mitificação do excepcionalismo e individualismo americanos, estavam em toda parte. Havia, por exemplo, um edifício dedicado à vida e aos tempos das mulheres americanas, mas não aos afro-americanos, um ponto defendido ferozmente por Ida B. Wells e Frederick Douglass, que viram uma oportunidade para celebrar as conquistas afro-americanas desde a Proclamação de Emancipação.

A Cidade Branca também inaugurou um novo tipo de espetáculo. No Midway Plaisance, em um trecho de um quilômetro e meio à beira do local da exposição, as pessoas podiam ser vistas em dioramas vivos, misturadas a atividades paralelas, brinquedos, prêmios e barracas de comida. Era uma mistura violenta e excitante de orientalismo, exclusão, apropriação e celebração. E era de longe o destino mais popular da Cidade Branca, gerando um lucro significativo, US$ 4 milhões em 1893, ou bem mais de US$ 100 milhões hoje.

A Midway, por sua vez, inspiraria a criação de Coney Island em Nova York e, por fim, a Disneylândia da Califórnia, uma marca totalmente diferente de mundo imaginado. A influência desses tipos de eventos em nossa imaginação não deve ser subestimada. Assim como há uma conexão direta entre Midway e Coney Island e a Disneylândia, há uma conexão entre a Cidade Branca e a Feira Mundial de Nova York de 1939 e o Consumer Electronics Show. Também podemos traçar uma linha entre a Grande Exposição e o metaverso de hoje. Como o mundo virtual que os promotores do metaverso prometem, a Grande Exposição foi um mundo dentro do mundo, cheio dos esplendores de sua época e promessas sobre o futuro. Mas, ao mesmo tempo em que abriu novos espaços de possibilidade (e lucro) também ampliou e reproduziu as estruturas de poder existentes por meio de suas escolhas de exposições e expositores, sua dependência da Royal Society para curadoria e seu constante apagamento da realidade colonial. Tudo isso ajudou a garantir que o futuro parecesse notavelmente britânico. A exposição aproveitou o poder do vapor e da telegrafia para atrair visitantes a um espaço de novas experiências, ao mesmo tempo que mascarava o impacto de tal poder tecnológico; motores e tubos estavam escondidos no subsolo fora da vista de todos. Foi um truque deliberado. Se Brontë via magia (não poder, xenofobia e nacionalismo) era isso que ela deveria ver.

Acho que nosso histórico com proto-metaversos deve nos deixar mais céticos sobre quaisquer reivindicações pelo poder emancipatório da tecnologia e das plataformas tecnológicas. Afinal, cada um deles encontrou e reproduziu vários tipos de desigualdades sociais, mesmo quando se esforçou para não o fazer, e muitos criaram problemas que seus projetistas não previam. No entanto, essas histórias também devem nos deixar atentos às possibilidades de invenções e inovações maravilhosas e inesperadas, e deve nos lembrar que não haverá uma experiência singular do metaverso. Significará coisas diferentes para pessoas diferentes e poderá dar origem a novas ideias e ideologias. A Grande Exposição gerou ansiedade e admiração, e alternadamente assombrou e moldou uma geração de pensadores e realizadores. Gosto de me perguntar quem será o autor de A Casa Soturna ou Alice no País das Maravilhas desse metaverso em resposta ao que eles encontrarem lá.

A Grande Exposição e sua série de descendentes falam da longa e complicada história humana da construção do mundo. Explorar essas muitas histórias e pré-histórias pode ser indutor e revelador. O metaverso nunca será um fim em si mesmo. Pelo contrário, será muitas coisas: um espaço de exploração, uma porta de entrada, uma inspiração ou mesmo um refúgio. Seja o que for, será sempre em diálogo com o mundo que o construiu. Os arquitetos do metaverso precisarão estar atentos ao mundo além do virtual. E no século 21, isso certamente significará mais do que se preocupar com os olmos antigos e a resistência à tração do vidro. Significará pensar profundamente sobre nosso potencial e nossas limitações como criadores de novos mundos.

Genevieve Bell é diretora da Escola de Cibernética da Universidade Nacional Australiana em Canberra.

Coming of Age in Second Life de Tom Boellstorff: An Anthropologist Explores the Virtually Human (2008) e Making Virtual Worlds: Linden Lab and Second Life de Thomas Malaby (2009). O primeiro é um excelente relato dos primeiros anos do Second Life e das formas como as pessoas amavam e odiavam aquele mundo virtual; o segundo se concentra nos tecnólogos que construíram o Second Life. Ambos fornecem informações sobre as visões utópicas que sustentaram o Second Life e como elas foram vivenciadas por participantes e criadores.