Na economia da atenção, ganha quem consegue manter o engajamento alto prendendo o olhar das pessoas por mais tempo possível.
by André Carvalhal
Se você teve acesso à Internet nos últimos anos, é praticamente impossível ainda não ter ouvido falar do TikTok, plataforma que ganhou grande popularidade durante a pandemia, desbancando Instagram, Twitter e Facebook no quesito crescimento. O que talvez você não saiba é que o TikTok não é uma rede social — e essa diferença conceitual muda toda a forma como nos relacionamos com essa e outras plataformas que mais acessamos no dia a dia.
O TikTok é, como eles próprios se definem, uma plataforma de vídeos curtos. Mas onde está a diferença dessa para uma plataforma social, como o clássico e finado Orkut ou o Instagram, por exemplo? A questão central está na forma como o algoritmo do TikTok funciona.
Como explica o escritor Michael Mignano, a forma como o TikTok distribui conteúdo se dá por meio de algoritmos que favorecem a atenção e o engajamento dos usuários. A plataforma define as recomendações com base nos conteúdos que estão “bombando” no momento, adaptado também ao que cada usuário costuma consumir e interagir. Por exemplo: se você assistiu muitos vídeos sobre filmes, ele vai passar a te recomendar mais vídeos com o mesmo tema. Já nas demais redes sociais, o conteúdo é distribuído através da rede de pessoas conectadas através do “seguir” ou “adicionar como amigo”.
Isso significa que no feed do TikTok você não vê os vídeos dos seus amigos ou dos perfis que você admira e segue, mas sim qualquer pessoa que tenha uma conta na plataforma e um vídeo viralizado. Esse modelo pode ser super interessante para quem gosta de receber recomendações constantes ou para quem curte saber tudo o que está bombando no momento. É legal ter diversos modelos de plataformas que agradem a diferentes públicos, não é mesmo?
A grande questão é que, com o crescimento efervescente do TikTok, redes sociais como Instagram passaram a mudar os seus modelos de feed para ficar cada vez mais parecidos com a concorrente — o lançamento dos Reels dentro da rede da Meta aconteceu em 2020 e foi um dos primeiros sinais dessa tendência. Recentemente, em julho deste ano, o Instagram chegou a lançar uma versão-teste do feed totalmente semelhante ao TikTok, com vídeos aparecendo em primeiro plano ao invés das tradicionais fotos e carrosséis. Após uma série de campanhas e críticas que foram abraçadas até pelas irmãs Kardashians, a rede voltou atrás nas atualizações — por enquanto.
Segundo especialistas, as constantes tentativas do Instagram de se parecer cada vez mais com o TikTok é um sinal do fim da rede social, dando lugar de vez às redes de recomendação. Afinal, mesmo mantendo o feed povoado por fotos, o Instagram segue testando diversas atualizações que privilegiam conteúdos sugeridos no feed dos usuários, deixando os usuários com poucas opções para escolher o que desejam ver e acompanhar.
Na economia da atenção, ganha quem consegue manter o engajamento alto prendendo o olhar das pessoas por mais tempo possível — e nessa briga, uma plataforma que privilegia o assunto mais popular, com estímulos visuais constantes, certamente sai na vantagem. O problema está na perda da autonomia tanto para quem consome quanto para quem produz conteúdo para as plataformas.
Para os criadores de conteúdo, não há garantias de que o seu conteúdo será visto no feed das pessoas que o seguiram. Para quem consome, o problema vai muito além da insatisfação de rolar pelo feed e não ver mais os seus amigos e pessoas queridas — especialistas apontam o efeito da ‘ansiedade algorítmica’, relatada como uma sensação de intrusão mental de recomendações que remodelam os gostos, opiniões e até a personalidade das pessoas. Será que queremos que algoritmos nos digam o tempo inteiro o que queremos assistir, curtir, consumir e pensar?
Outro efeito que pode ser muito preocupante a longo prazo está no poder que as plataformas de recomendações possuem em mãos de definir quais conteúdos não serão vistos. Já pudemos testemunhar o efeito que as tradicionais redes sociais tiveram na disseminação de conteúdos duvidosos, que incitam a intolerância ou propagam a fake news, que se espalham rapidamente desde que tenham uma rede de amigos (ou de perfis falsos) compartilhando. Para o usuário, isso pode ser ainda mais difícil de barrar quando as plataformas se baseiam essencialmente na recomendação, onde o usuário assiste passivamente o que lhe foi oferecido.
E agora, qual será o melhor caminho então? No momento, parece haver dois caminhos possíveis: a total remodelação das redes sociais para o formato de recomendação, ou o surgimento de uma plataforma desafiante que traga a rede social “clássica” de volta.
Segundo Cal Newport, professor de ciência da computação e escritor do ‘The New Yorker’, existe espaço para um otimismo aí. Para ele, nos últimos anos, “a exuberância da Internet foi suprimida pelo domínio de um pequeno número de redes de mídia social, que consolidaram e controlaram grande parte da cultura online por anos”. Talvez, o momento de sacudida atual possa significar o fim da era dos monopólios de grandes empresas, com uma briga mais saudável entre elas. Será?
Enquanto acompanhamos as transformações, vale fazer aquele esforço consciente para fugir das escolhas implícitas e priorizar as escolhas conscientes pelo que se quer consumir online.
Este artigo foi produzido por André Carvalhal, consultor, palestrante, TEDxSpeaker, especialista em design para sustentabilidade e colunista da MIT Technology Review Brasil.