O Mercado de Venture Capital na América Latina em 2024: Um Olhar Otimista

Com o fim de 2024, muitos afirmam que o mercado de venture capital na América Latina teve mais um ano difícil. No entanto, há contrapontos otimistas para essa visão. Nesta última coluna do ano (ou primeira de 2025) analiso por que, na verdade, tivemos um ano razoavelmente bom — enquanto buscamos perspectivas melhores.

Fatores externos e a conjuntura favorável

O ano de 2024 evidenciou que a consolidação da América Latina como um destino atrativo para o capital de risco. Não chegamos a esse patamar apenas devido aos nossos excelentes empreendedores, mas por uma combinação de condições estruturais. Vale mencionar que, quando estamos falando de América Latina, estamos basicamente falando de Brasil e México. De acordo com dados do Sling Hub, desde 2021 o Brasil atraiu entre 50% e 70% do capital de risco dedicado à região, com o México como coadjuvante principal.

Evolution of total funding rounds

Para entender o crescimento da atratividade da América Latina, é crucial analisar o cenário das demais regiões emergentes. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), os mercados emergentes incluem América Latina, Sudeste Asiático, China, Índia, Rússia e partes da África. Esses mercados representam uma importante estratégia de diversificação para os grandes fundos de venture capital1, majoritariamente norte-americanos. Alguns desses fundos têm regulamentos que determinam a alocação obrigatória de uma porcentagem do capital em países emergentes, enquanto outros são inteiramente dedicados a essas regiões — ou são encorajados a tal como estratégia de diversificação. Independentemente da abordagem, é um fato que, de uma forma ou de outra, parte dos recursos deve ser direcionada para além dos tradicionais mercados dos Estados Unidos e Europa.

Atualmente, os fundos de private equity2 e venture capital possuem níveis recordes de dry powder — capital comprometido, mas ainda não investido. Globalmente, esses fundos detinham aproximadamente US$ 2,62 trilhões em julho de 2024, representando um aumento significativo em relação aos períodos anteriores. A maior parte desses recursos é direcionada para os Estados Unidos e a Europa. No entanto, uma parcela significativa precisa ou deveria ser alocada em países emergentes, conforme as razões mencionadas anteriormente.

A redução de atratividade em outras regiões emergentes

A crescente tensão geopolítica entre os Estados Unidos e a China, agravada pela recente eleição de Donald Trump, dificultou o fluxo de investimentos americanos na região asiática. Dados do PitchBook e Global Data apontam quedas significativas nos investimentos de capital de risco na China: de USD 69,5 bilhões em 2022 ante USD 136 bilhões em 2021. E uma redução de 36% quando comparamos o período de janeiro até novembro de 2023 contra o mesmo período em 2024.

A forte dependência econômica do Sudeste Asiático em relação à China afetou negativamente esses mercados, reduzindo o apetite dos investidores nestas regiões também. Muitos desses países têm na China seu principal parceiro comercial. Logo, grande parte da demanda e, consequentemente, das receitas das empresas do Sudeste Asiático está diretamente ligada ao consumo da população chinesa.

A Rússia continua como um destino inviável devido à guerra, enquanto a África permanece pouco representativa no setor de tecnologia.

O caso da Índia, por sua vez, é notável pelo desempenho no mercado de tecnologia em 2024. Nos últimos anos, o país se consolidou como um dos principais destinos para os recursos de capital de risco entre os mercados emergentes, e dados da Bain indicam que o setor de tecnologia da região passou por um ciclo: maturação, seguido de otimismo, boom devido ao Covid e recalibração que culminou com um bom momentum de empresas mais maduras e de bastante sucesso em 2024.

O sucesso das empresas indianas atraiu intensa competição entre os fundos americanos pelos melhores ativos, o que levou a um aumento generalizado nos preços (valuations) e múltiplos na região. Em 2024, contrariando a tendência global, a Índia registrou IPOs admiráveis no setor de tecnologia, como os da Swiggy, Ola Electric e FirstCry. O mercado público exerceu forte influência sobre o mercado privado, impulsionando ainda mais o valor de ativos privados promissores. Como resultado, muitos fundos de venture capital adotaram uma abordagem mais cautelosa — no começo da década, com o amplo capital disponível e os juros baixos, houve aumento do investimento, não importando aos fundos de venture capital se as empresas não tinham bons unit economics;3 nos últimos anos, porém, essa cautela vem no rastro de um desejo por empresas que já são rentáveis, com um modelo de negócio provado.

Até novembro de 2024, a Índia recebeu USD 16,8 bilhões em investimentos, um aumento em relação a 2023, mas uma redução considerável em comparação a 2022. O fato é que, em termos relativos, empresas indianas de tecnologia apresentam valuations significativamente mais altos do que companhias similares em outras partes do mundo, o que diminui a atratividade para os fundos de venture capital.

A América Latina em evidência

Com a conjuntura global descrita, a América Latina emergiu como destino alternativo atraente para esses recursos que “precisam” ser investidos em países emergentes. Força empreendedora, crescente digitalização, valuations ajustados, e uma população cada vez mais tecnológica e early adopter criaram condições favoráveis para o retorno do capital de risco à região.

De acordo com o CB Insights, a região atraiu cerca de USD 4 bilhões em 2024, um aumento em relação aos USD 3,3 bilhões de 2023. Brasil e México lideraram, captando aproximadamente 50% e 30% do total, respectivamente. Esse retorno dos investimentos à América Latina teve como impacto a manutenção de um giro de tech — quanto mais investimento por parte de fundos estabelecidos dos Estados Unidos em empresas que estão começando, melhor para a região e para o amadurecimento do ecossistema de tecnologia como um todo.

Destaques de 2024: rodadas maiores e novos entrantes

Rodadas significativas marcaram o ano, evidenciando maior confiança dos investidores em teses locais. Entre os destaques estão:

Asaas: startup que oferece contas digitais para pequenas e médias empresas com apoio de ferramentas de gestão. Ela captou USD 148 milhões em rodada liderada pela Bond, fundo renomado do Vale do Silício, em seu segundo investimento na região em 2024. O primeiro foi no CRM Bonus, em maio deste ano.

Celcoin: plataforma de infraestrutura financeira para inclusão de serviços financeiros em áreas desassistidas. Recebeu USD 125 milhões da Summit Partners, gigante de Boston, que estreou na América Latina com esse aporte.

Tractian: empresa que combina software e IoT para monitorar e otimizar a operação de grandes indústrias. Levantou USD 123 milhões com participação da Sapphire Ventures, também em sua primeira operação na região.

Além disso, fundos brasileiros, como Upload, Across e Cloud9, mostraram apetite para grandes rodadas, enquanto investidores experientes na região, como Warburg Pincus e Riverwood, reafirmaram sua convicção também participando de rodadas importantes.

Perspectivas para 2025

Com o mercado demonstrando sinais de recuperação, 2025 deve seguir uma tendência positiva. Os investimentos devem permanecer na faixa dos USD 4 bilhões, com rodadas maiores à medida que as empresas amadurecem. O mercado secundário deve ganhar tração, possibilitando saídas para fundos de early stage e fomentando novas rodadas, como a entrada da Warburg Pincus no quadro societário da Contabilizei — permitindo que fundos de estágio inicial, como o Kaszek, realizem sua saída.

Além disso, com alta de 27% em M&A em 2024, segundo dados da Deloitte, espera-se uma maior atividade no mercado de fusões e aquisições, impulsionado por empresas estrangeiras em busca de acquihires (estratégia em que uma empresa adquire outra, principalmente para contratar seus talentos, em vez de adquirir seus produtos ou serviços) para estabelecer presença local, e pela consolidação de startups que se juntarão para ter maior musculatura para uma saída futura.

O tempo dirá as consequências práticas do cenário que descrevemos. No entanto, se 2024 nos mostrou algo, é que o mercado de venture capital na América Latina ainda tem motivos para um olhar mais positivo.

( fonte: MIT Technology Review)